sábado, 4 de agosto de 2012

Os livros e a Miopia

A vida traz exemplos  diários de pessoas que acometidas por efermidades na profissão, são obrigadas a parar de fazer o que mais amam, prejudicando a si própio, e aos que terão que aguentar seu mau humor, quando a bomba explodir.
São as donas de casas que, cheias de dores, obrigam seus maridos à  cozinhar, trazendo o desespero aos seus filhos, que obrigados a comer a comida horrivel do pai, emagrecem, ou engordam, procurando refúgio no Mac Donalds.  Também  os funcionários de bancos, que, sofrendo de insônia, por não conseguirem  mais contar carneirinhos, vão pintar quadros ou  tocar violão, desesperando seus familiares, que privados do bom salário que fulano ganhava, acabam tendo que se virar, com ou sem os números.  Sem contar os jogadores de futebol, que de cirurgia em cirurgia, acabam  tendo mais sucesso, com uma perna de pau, no circo ou teatro da cidade em que nasceram.
Confesso que até a bomba explodir na minha vida, não tinha pensado nisso. Não com tanta frequência como estou pensando agora. Uma bomba que um exame de fundo de olho mostrou. "Angélica, disse a minuciosa observadora que por sorte, era   minha oftalmo, você tem um rasgo na retina do olho direito. Isso é sério, se não concertá-lo, poderá perder a vista."
Sai da clínica chorando por meus olhos, eles  chorando por mim...Muitas perguntas, angústia, por que ? Por que meu Deus !!!!!!!!!!!!!!
Hoje, vinte dias depois de constatada uma degeneração mioptica em meu olho direito, doença que eu nem sabia existir até então; (e só vim a saber no Google também, lendo umas vinte vezes sobre ela) descobri que ter seis graus de miopia, usar óculos e ter pinta de intelectual, não dá apenas um ar charmoso e misterioso ao escritor...Não, descobri que meus seis graus em cada olho poderiam sim, me dar muitos problemas, na verdade, eu estava mesmo é fodida.
Isso porque precisaria fritar meu olho para poder tampar os  malditos  buracos. Na primeira fotocoagulação a lazer, não doeu; porém, na segunda, eu praticamente me vi na mesma situação que o personagem do Laranja Mecânica. Porque uma  enfermeira sadomasoquista, não  pingou  o colírio anestésico no meu olho e eu praticamente, passei pelo lazer, sem anestesia. Se doeu ? Muito, paguei todos os meus pecados, da vida inteira e de uma próxima encarnação em dois minutos...Por isso, cuidado com um Hospital chamado Santa Casa, de santo, ele não tem nada...
Mas acabou, ou melhor, não sei se acabou; espero que sim. Espero que tudo não passe de um sonho ruim e que logo eu possa passar horas em uma biblioteca, estragando meus olhos, sem dó nem culpa, para deleite de minha mente que egoísta, só pensa em saber, não se preocupando em como fazer isso.
Coitado dos meus olhos...Eu que usei-os feito um burro de carga durante mais de dez anos, agora, sofro, arrependida, por ter sido tão cruel com eles.
Já pedi mil desculpas. Eu, uma viciada em leitura, pedindo desculpas por saber que cometerei o mesmo erro...
No começo, eram apenas duas horas, o jornal, depois, um conto de Machado de Assis. Depois, fui passando para os romances de oitocentas páginas, de Dostoiévski, ganhando a cada ano, meio grau, para o desanimo de minha vaidade, que via o aro dos óculos aumentarem, tomando assim, toda a graça de minhas expressões faciais. Deixei de sair, deixei de namorar e tornei-me uma "outsider" que fugia das massas, como diabo foge da cruz. E para que tudo isso ? Meus olhos agora me perguntam. Para você, com apenas 35 anos, ganhar uma degeneração mioptica e correr o risco de ficar cega ?
Digo para eles, com sorriso triste nos lábios, quer saber se valeu a pena ? Fernando Pessoa, ele responde : só com eles foram uns dois graus...Tudo bem, você venceu...Agora me diga, o que faremos agora ?
Em última instância, eles me dizem, ordenarei seus pais colocarem uma venda nos seus olhos...Isso caso a senhora mantenha a carteirinha da biblioteca dentro da carteira. Mais irei te ajudar. Em vez da assinatura de jornal, uma assinatura da Net. Comprará também uma TV LCD de 42 polegadas, e trabalhará oito horas por dia, em um lugar distante pelo menos 20 KM de uma livraria.
Fará isso ou...Não, eu grito ! Tudo menos isso !
É, a vida é estranha mesmo...Vamos perdendo, com o passar dos anos, as coisas que de fato amamos.
Vou dar um tempo com os livros. Como se por causa deles, eu tivesse que cumprir alguns anos na prisão.
Uma prisão onde a partir de agora, eu terei de viver dia após dia, hora após hora, em companhia do tédio e do cotidiano simples e limitado  que tenho na minha imaginação, ser uma vida sem os livros.    Se eu pudesse ao menos ler com os ouvidos...Se minhas mãos pudessem ler....

" No meio caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho..."
" No meio do caminho tinha um livro, tinha um livro no meio do caminho..."
Estou no fim do caminho agora, sem eles...
Sem os livros, sem o caminho, Eu apenas, com a memória de tudo que eu li, com a angústia do que não poderei ler...
Eu apenas, silêncio e páginas queimadas.

                                                                                  Angélica Medeiros, 04.08.2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Providência

Quando, onde, preciso saber ? Quando voltar, para estar...Posso ver até, tudo, ou o nada ? Um tudo que gostaria de acreditar, um nada que preferiria esquecer...Mas onde ? Meus pais não sabem, meus irmãos não pensaram que eu poderia, um dia...
Eu era triste, um moço que sabia desde o amanhecer ser triste e cheio de esperança...Doia tanto, querer, saber que tudo poderia ser diferente, se eu conseguisse dizer...Mas como ? Meu filho, por que tão quieto ? Há dias que não te vejo...
Sumindo por entre ruas e becos escuros...Sem ver ninguém, falando com as paredes duras e frias de minha consciência...Olham para mim como se eu fosse um toco atrapalhando o caminho...Augusto ? Augusto ? Vamos ao enterro de seu avô. Os mortos não sentem, não choram...Augusto, não ria de coisas que não se deve rir. Um dia você vai olhar para trás e se arrepender, se arrepender muito de ter dito aquelas palavras a seu irmão. Sentado no fundo do ônibus. Voltando para casa, sem um tostão no bolso e sem vontade de vê-los.
Honrar pai e mãe. E essa dor ? O que faço com ela mãe ? Eu não te eduquei para isso, Guto. A senhora não tem as respostas que eu preciso, porque é apenas uma mãe; e mães não são muito boas  para ensinar, e sim para amar. 
Eu queria poder lembrar a voz do meu pai...Mas não consigo, ouvi ele falar apenas três vezes em toda mnha vida. Quando eu tinha três anos, três anos e meio e com quatro anos, quando num surto de sanidade- ele que era cataplético- disse : Augusto, sou-seu-pai...Aos quatro anos, sem pai, percebi que teria que começar a falar mais, porque não teria mais quem falasse por mim...A última esperança morreu quando afirmou : sou-seu-pai...
Não tente a vida dessa forma Guto. Todos conseguiram algo,  porque fizeram das suas dores, uma lição. Agora, é menos provável que você tire de mais essa garrafa vazia, alguma lição. A bebida não ensina Guto, ela distraí apenas...Destroí, desconstrói...Traição...Atração...
- Acha que eu não sou capaz de pular ? Acha que tenho medo da morte ?
- Guto, desca daí, por favor, eu juro que volto para você ?
No hospital, sonolento. Dormira por mais de vinte horas. Segunda tentativa de suicídio, agora, cortando os pulsos.  Minha mãe querendo saber o que eu tanto sonhara, porque falando muito, enquanto dormia.  
-  Sonhei que havia morrido, mãe; e que no lugar tenebroso para onde fui, havia tanta dúvida e confusão em meu coração, que não conseguia fazer nada...Achei que morrendo, mãe, pudesse encontrar uma resposta para meu sofrimento, mas lá, no plano espiritual, vi que não é assim que as coisas acontecem...
- Você promete para mamãe, Guto, que não vai mais fazer isso ?
- Eu prometo, mãe...Eu prometo que começarei a partir de hoje uma nova vida...Porque no fundo, mãe, eu quero viver...Todo o tempo, minha mãe, o que eu queria era viver...Era amar você, meus irmãos, a todos, com um coração leve e compreensivo...Tudo o que eu queria, era tolerar as imperfeições dos outros, para as minhas serem toleradas, ser paciente, humilde, e não achar sempre defeito em tudo...Eu queria tudo isso, mãe, mas algo dentro de mim dizia que eu não era capaz...Algo que me fez desistir várias vezes...E sabe por que, mãe ? Sabe porque eu fiz aquelas coisas ? Porque eu era orgulhoso demais para pedir ajuda...Porque desde pequeno, depois que papai morreu, eu coloquei na cabeça que teria que ser forte, muito forte e nunca, mas em hipótese alguma, pedir ajuda.
- Filho, a mamãe sempre esteve do seu lado, eu sempre, Guto, sempre disse que te ajudaria....Milhões de vezes eu tentei, implorei para que você me deixasse entrar...Filho, eu também, as vezes...
- Não, mãe, não diga isso, jamais ! Eu nunca me perdoaria se lhe acontecesse algo ! Nunca !
- Outra vez o orgulho, filho...Você não disse que iria mudar ?
- Me abrace mãe, só isso que preciso agora...Um abraço da senhora...
Nos braços de minha mãe, chorei feito criança...Que fui, que era, que sou...Criança ferida, desprotegida, e só...
Nos braços de minha mãe, renasci, para mais uma vez, tentar refazer minha vida.  Na luz ou nas trevas, para o meu bem ou mal, conforme a Providência,  pela milhionézima vez, permitiria.


                                                                                               Angélica Medeiros, 09.07.2012

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A Arte de Conviver

Desde seu nascimento, o homem se depara com dificuldades, e seu crescimento sadio está vinculado a essa capacidade que todos tem- em menor ou maior grau- de vencê-las.
Com o passar dos anos, as dificuldades aumentam  e as vitórias e as derrotas se acumulam em nossas vidas, nos tornando homens melhores ou piores, conforme a naureza de nossas obras.
Riqueza ou pobreza. Humilhação ou glória. Tudo iremos conhecer; tudo iremos viver, na alegria ou na tristeza, porém, com uma ressalva : entre os risos e as lágrimas, segurando troféus ou amarguras, ainda sim, teremos que conviver. Mas não apenas conviver e sim, conviver bem.
Creio ser essa a maior dificuldade do homem  hoje : saber conviver com o outro, seja na própria família, no trabalho, ou com o desconhecido que encontramos na rua. Isso porque a convivência se faz com seres humanos apenas; ninguém é feliz convivendo com máquinas, objetos, ou com uma TV de 41 polegadas...
Dificuldade que por curiosa ironia, pode se tornar maior a medida que deixamos de ser crianças, para nos tornarmos adultos, conscientes e responsáveis por nós mesmos. Dificuldade que aumenta a medida que deformamos nossa mentalidade, passando a tratar o outro como objeto, porque essa troca exige menos esforço, que o trabalho constante de tratar com ternura e afeto, as pessoas de sua convivência.
Sei que as vezes nos sentimos um ser estranho em nossa própria casa; onde convivemos com  pessoas de motivações e afinidades completamente diferente das nossas, causando assim as brigas e discussões que acontecem em toda família. Mas sei também, que não é a toa que isso nos acontece, porque no trabalho, na sociedade, encontraremos outras pessoas com menos afinidades ainda, e porque necessitamos de trabalhar e de amadurecer, teremos que conviver com elas, e para nosso próprio bem : CONVIVER BEM COM ELAS.
Você disse bom dia para sua esposa ? Você perguntou ao seu marido se ele dormiu bem ? Você agradeceu a Deus por mais um dia de vida ?
Outra coisa : muito difícil conviver bem com sua família e sociedade, se antes, você não aprender a conviver com Deus. Conviva bem com Deus que o mundo irá então abraçá-lo e aceitá-lo de maneira diferente.
A partir desse dia, você não verá mais com dificuldade a experiência de conviver, e sim, como uma dádiva.
Uma dádiva de Deus, que encontrou em mais um filho a oportunidade de mostrar ao mundo, que o amor vale a pena, apesar das dificuldades que ele impõe as pessoas, sim, o amor vale muito a pena quando o assunto é conviver...

                                                                          Angélica Medeiros, 29.07.2012

sábado, 23 de junho de 2012

O que é o Amor ?

Durante séculos,  perguntaram os homens  : O que é o Amor ?
Muitas respostas foram dadas, porém, dia após dia, continuamos a fazer essa mesma pergunta, aos outros, e a nós mesmos : O que é o Amor ?
Penso no amor como uma força que nasce e morre nela mesma, caso se torne outra coisa diferente do próprio amor. Penso no amor, e como não poderia deixar de ser, penso em Deus. Penso Nele porque foi do sopro de sua boca, que surgiu o amor.
Um sopro que se movimenta infinitamente, sem interrupção, pelas ruas, cidades e continentes, com tamanha velocidade que consegue estar em todos os lugares, ou em nenhum, onde ocorrem então, as catástrofes e assassinatos, quando não há o amor e sim, a morte.
O amor tem muitos nomes, tem muitas faces e maneiras, no entanto, só um coração. Um apenas, que bate com o propósito de amar; porque foi criado para isso, e não pode fazer outra coisa além de amar.
Eu amo, ele diz. Amo simplesmente para sentir o amor em todo o resto. Amo porque somente amando,  compreendo o motivo pelo qual Ele me criou...
Muitos já falaram que o contrário do amor é o ódio. Não creio que seja isso. Porque o amor é um sentimento puro e perfeito em sua essência. Já o ódio não, por vir sempre misturado a outros sentimentos negativos, como a inveja, o rancor e o medo. Creio que seria melhor dizer que o contrário do amor é a morte, ou a destruição. Viver sem o amor é até pior que a morte, tanto que alguns não aguentam, e se matam para cessar a dor de estar morto, sem de fato, estar. Por isso tantas doenças, fugas e sofrimento. A vida sabe que o amor é imprescindível à felicidade do ser humano, mas ele não. O homem e a vida, como a história ensina, nem sempre caminham juntos...E o amor, bem, o amor...Está bem à frente, esperando, esperando, pacientemente...Porém, esse encontro não depende só dele; o amor não pode andar por nós. A gente tem que ir até ele. Cedo, ou tarde, um dia, todos nós o encontramos.
Neste dia maravilhoso, perguntaremos ao amor : O que é você afinal ?
No que ele, sorrindo ternamente, respoderá :
- Eu sou você.
Somente neste dia, entenderemos o que é realmente o amor. A partir daí, não precisaremos fazer mais essa pergunta, para nós, nem para ninguém. Não precisaremos na verdade, fazer mais nenhuma pergunta, porque saberemos tudo; tudo o que um homem precisa saber.
Em silêncio, ao lado do amor, enfim, aceitaremos.

                                                                                        Angélica Medeiros, 22.06.2012

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Por que ler Dostoiévski ?

Quando procuramos um autor para ler, o fazemos por diversos motivos, alguns nobres, outros nem tanto. Podemos procurá-los também por paixão. Que nem sempre é nobre, no entanto, se for  esse o  motivo, teremos com ele,  inevitavelmente, outro tipo de  relação,  e outra  experiência de leitura, que somente apaixonados,  poderíamos  ter.
Dostoiévski seria um desses autores que nos fazem apaixonar muito facilmente; com  tamanha fúria e lealdade, que acabamos a mercê de sua obra, como adolescentes bobos que por idealizarem sua amada, ficam cegos para outras, sem perceberem que a cegueira é um impedimento que limita sua consciência,  tornando-lhe  escravo de suas próprias ilusões.
Sim, ilusões. Curiosamente, a obra de Dostoiévski é alimentada por elas. Ilusões que acompanham suas personagens, e que as tornam uma espécie de homens pensantes e até "delirantes". Quem leu "Crime e Castigo" e sofreu junto com os delírios e sentimentos contraditórios de  Raskolnikov,   sabe  que eles,  tinham o único propósito de auto-destruição; e  que não fossem esses "lixos mentais", a obra não seria o clássico que é.
Existe ser mais iludido que Príncipe Michtkin ? Personagem epilético de " O Idiota" ? Um ser que está preparado apenas para fazer o bem,  em um mundo que  vê essa atitude como sintoma de fraqueza e até leviandade,  é um homem  tão mergulhado em sua própria ilusão, que só irá  salvar-se na sua própria destruição.
Ilusão e destruição. Alimento e  Fome...Essas são as duas paixões que parecem dominar os ímpetos das personagens de Dostoiévski, que por elas, são capazes de tudo, na base do oito ou oitenta : ou são muito boas, dando a face para ser esbofeteada, humilhando-se até a privação; ou são cruéis, a ponto de assassinar de modo frio e calculista, pobres seres que, indefesos,  ficam a mercê do seu mau destino.
Talvez por isso, nos apaixonamos pela obra dele. Porque todos nós, também somos movidos pelo alimento e pela fome, porém, por sermos escravos da sociedade e dos costumes que elas nos impõe, reprimimos nossos ímpetos, porque de outra forma, seria impossível o convívio em sociedade. Nos apaixonamos por Dostoiévski porque a leitura dele  nos liberta de nós mesmos. De nossos medos, de nossas fraquezas e sentimentos conflituosos, tornando nossa alma mais leve e tolerante, porque, consciente da ideia de que o criminoso e a prostituta são também filhos de Deus,  e como nós,  passíveis de redenção ou da destruição, conforme a escolha de cada um. Encontramos essa ideia em várias obras de Dostoiévski, e creio ser uma de suas teses mais queridas.
Creio ter respondido, em parte, a pergunta do título : Por que ler Dostoiévski ? Agora, no final desta crônica, gostaria de fazer uma segunda pergunta : Por que não ler Dostoiévski ?
Essa resposta, eu deixo à vocês, caros  leitores, que ainda não leram a obra deste grande autor. A vocês, eu deixo essa pergunta, com a esperança, de que ela seja  respondida logo, pelo bem ou mal de vocês, caso continuem desprezando o querido e  genial russo,  a quem dediquei essa crônica...

                                                                                                      Angélica Medeiros, 22.06.2012

                                                                                       

 

domingo, 22 de abril de 2012

Sobre a Arte de Viver

- Olhei nos olhos de minha avó e vi, de repente, as horas, os minutos e segundos, que ela deveria ter passado sozinha, naquele quarto. Horas de solidão, que fizeram meu coração doer de culpa e tristeza.
- E o que você irá fazer para mudar isso, Clara ?
- Sabe o que eu acho ? A velhice é para poucos...A juventude para menos ainda...E a infância, para nenhum de nós...
-Por que a infância para nenhum de nós ?
- Porque se poucas pessoas sabem envelhecer, menos ainda aproveitar de modo  consciente a juventude, não seria a infãncia, a época de querer realmente saber quem somos ? E no entanto, as crianças de hoje só querem crescer e tornar-se adulto...
- Você era assim também, Clara ?
- Sabe, estou pensando na minha avó agora...Pensando que além de culpa e tristeza, senti medo também..Medo de na velhice, não saber ver...
- Ver o que ?
- O que agora eu apenas olho...
-  E sentir ? O que você sente ?
- Eu não sei...Quanto mais eu tento entender meus sentimentos, menos eu vejo...Por isso, não tento entendê-los, e sim, guiá-los...
- Está bem, preciso ir Clara...Tchau.
- Tchau, Glauco...Boa noite...

                                                                                              Angélica Medeiros Cunha, 22.04.2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Clara e a Claro

Pense um pouco, disse Clara, tentando acalmar sua mãe. Bem sei que há três dias, a senhora tenta falar na Claro, sem conseguir afinal, resolver seu problema...Está muito nervosa agora...Com vontade de jogar o celular na parede...Mas seu acesso de raiva não resolverá nada...
- E o que eu devo fazer ? Rir ? Agradecer por ter sido lesada ?
- Também não mãe, a ironia, insulta as vezes, até mais que a raiva...E insultando a telefonista, ela, em vez de colaborar, irá atendê-la de má vontade ... Olha, sei que pode parecer estranho...Mas pense que, muitas vezes, a senhora foi incrivelmente feliz falando com uma amiga de seu celular...Que esteve, em situações difícies, precisando realmente falar com o papai e que por ter o celular da Claro, pode encontrá-lo...Que não fosse a Claro, morreria de saudades de suas netas e filha que moram tão longe...
- Tá bem, filha...Eu entendi...Nossa, Clara, você viaja às vezes...
- É bom viajar mãe...
- É, mas nem tanto...Ligue para sua avó...Ela quer falar com você.
- Não vai mais ficar nervosa ?
- Não.
- Vou fazer melhor...Vou visitá-la agora. Estou indo...Tchau mãe...
- Tchau filha...
Angélica Medeiros, 19.04.2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

Pensamento de Clara

Logo pela manhã, Clara teve o seguinte pensamento, depois de ler uma frase na embalagem de uma garrafa de água. A frase era essa : " de todas as bebidas, apenas a água é essencial para a vida..."
É, refletiu ela, Pessoas também deveriam levar na embalagem de suas almas, "de todos os sentimentos, apenas o amor é essencial para a vida...A falta deles, a morte..."Clara sorriu, um pouco triste, porque por vezes teve sede, e não tomou água; e sim, outro líquido qualquer....Nem água, nem o amor, esses sim essenciais para matar a sede verdadeira da alma...
Bebendo agora água sem estar com sede, Clara saiu sem rumo, sabendo que logo logo, a sede viria...
Angélica Medeiros, 17.04.2012

domingo, 15 de abril de 2012

Clara e o Domingo

Clara sabia que naquele domingo algo seria diferente.Não que em todo novo dia não acontecessem coisas diferentes, mas naquele domingo, algo especial, ela sentia, iria de fato acontecer...
Clara sabia e por isso trancou-se em seu quarto. Trancou-se e esperou, como quem espera a chuva passar, esse algo que inevitavelmente, aconteceria...
Ouviu então um suspiro, um que materializou-se em palavra..."Clara, Clara..." A voz falava...É preciso perdoar...É preciso perdoar a todos...
Clara então sentiu um calor inundar todo seu corpo e seus olhos se encheram rapidamente de lágrimas. Perdão, perdão, a palavra ressoava em seu ouvido, obrigando-a a dizer as coisas que ela precisava dizer, mais que por orgulho, havia por tanto tempo, calado.
"Clara, Clara, você está cercada de dor e solidão..." Quando ouviu isso, ela começou a pedir, mentalmente, perdão, primeiro aos seus pais, aos seus irmãos; perdão por todas as vezes em que ela pagou com ingratidão, todo cuidado e amor que eles lhe deram. Perdão por todas as vezes em que ela agiu por interesse próprio, e não por pura e simples caridade.
Chorando muito, ainda pediu perdão para seus amigos e todos os que trabalharam com ela. Perdão por ela ter dito e feito coisas que eles não aprovaram, mais que por indulgência, relevaram...
Perdão, Clara, a você mesma...ela disse, por fim...Porque talvez todas essas pessoas, tenham realmente esquecido de suas ofensas e de você; porque encontraram, durante suas vidas, outras pessoas, que lhes deram e receberam o amor que você foi incapaz de dar e receber, por medo e por falta de caridade...
Cansada de chorar e ciente de que pedir perdão em pensamento não adiantaria nada, Clara acabou dormindo..
Um sono sem sonhos, onde poderia esquecer daquele domingo, e recomeçar no dia seguinte, nem mais feliz, nem menos, por ter vivido algo diferente, e que de fato, a fez pensar em suas atitudes...
Atitudes que a tornaram a mulher que ela era hoje. Nem melhor nem pior que ninguém, no entanto, profundamente culpada por ser quem era. Culpa que nem um domingo, nem milhões de domingos iriam extirpar; culpa que como seu sono, era sem sonhos, e por isso mesmo, tão inútil quanto pedir perdão para si própria, em um quarto fechado, sendo, que lá fora, o dia estava lindo e perfeito para um passeio com a família...

Angélica Medeiros Cunha, 15.04.2012

domingo, 8 de abril de 2012

Fazendo Café (frases abobadas)

"Mais difícil que lembrar de desligar o fogo na hora em que a água está fervendo, só mesmo a ideia catastrófica de abdicar do hábito de beber café, o que me mataria do mesmo jeito; porém, com uma vantagem : não morreriam meus familiares, que na verdade, não tem nem o hábito, nem culpa alguma do fato de eu gostar de tomar café, mas não gostar de fazê-lo..."
Angélica Medeiros, 07.04.2012

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Porta

A porta estava fechada. Mas por que ? Maria se perguntava. Indiferença. Falta de amor.
Maria não se conformava, e chorava sentada, com o rosto colado ao chão, próxima a porta fechada.
Enquanto isso, sentia-se envelhecer, dia após dia, de tristeza, de solidão, e a mulher que restara dela, Maria deconhecia.
Passaram os anos. Um tempo que não era de Maria e que ela não sabia para que servia. Passou muito tempo até que a porta se abriu, e com a porta se abrindo, a casa inteira se encheu de luz e de um canto bonito, canto que trouxe á casa de Maria, uma alegria nova, que há muito não existia lá.
Pés descalços, Maria toda de branco, se aproximando de uma outra Maria, suja e morta, que inerte no chão, não respondeu.
Em cima da mesa, um bilhete da Maria morta, que a outra pegou e leu, com os olhos cheios de lágrimas. No bilhete, Maria leu as seguintes palavras :
"Logo você também morrerá. Porque a luz precisa das sombras...Tanto quanto eu precisava de você...Seu erro, talvez uma pura ingenuidade, lhe custará caro...Muito caro...'
Arrependida, Maria enxugou suas lágrimas e fez força para levantar. Estando de pé, andou até a porta, e sem olhar para trás, trancou-se novamente dentro do quarto.
Era noite já quando isso se deu. E não se via mais nada dentro daquela casa. Móveis, pessoas, nada.
Era noite e de tempos em tempos, alguém batia a porta. Alguém que também tentava abri-la. Sem saber que, nas portas fechadas, não encontrarão nunca as respostas que, inutilmente, procuram. Nem nas portas fechadas, nem nas abertas, e sim, onde não existem portas...Onde olhássemos e vissemos o céu. Quando encontrares este lugar, serás então feliz. De dia, de noite, sem medo, serás então, liberto de tudo.

Angélica Medeiros 03.04.2012

sexta-feira, 30 de março de 2012

As folhas e os Pássaros

As folhas caem das árvores, os pássaros voam no céu, enquanto eu, tentando compreender a natureza, me vejo cada vez mais perdida.
Porque o pensar, não sendo tão simples quanto a visão das folhas no chão; não sendo tão exato quanto o voo dos pássaros no céu; me deixou em pedaços, ora derrubando-me, ora levantando-me...
Porque não sendo folha, nem pássaro, me resta apenas a prisão de saber que sou menos que eles, porque não consigo apenas estar, para viver e morrer, naturalmente, sem dor, sem querer adiantar ou atrasar as coisas.
Sou pequena, sou frágil, sou feita de lágrimas e questionamentos. Sou tudo isso e ao mesmo tempo, sou outra coisa que insiste em viver. Insiste porque não sendo folha nem pássaro, tem a necessidade de explicar a todos, que não podemos viver como folha e pássaro, pelo simples fato de que eles não sabem que caem, muitos menos que voam...(Mas deveriam saber ? Por que?)
Não sabem que caem, não sabem que voam, e eu, muito menos, saberia como viver...saberia nada....Mas vou vivendo mesmo assim...
Sabendo das folhas e dos pássaros, menos de mim...
Que não sou folha nem pássaro, que não sabe, nem nunca saberá, quem realmente é.

Angélica Medeiros, 30.03.2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

O preço do Amor

Tudo na vida tem um preço. Se não o vemos na etiqueta, o vemos nos olhos ou no sorriso que o desconhecido, imprevisivelmente, lhe dá, quando sem querer, você pisa em seu pé, dentro do ônibus lotado.
Confesso que me dói pensar assim. Pensar que as coisas e as pessoas deixam de sentir, de falar, porque no fundo de qualquer palavra, pode haver uma exigência; e por mais que tentemos ser solidários, no final, o que nos resta é a necessidade de voltarmos para nosso próprio umbigo, satisfazendo nossos desejos, nossos inúmeros e inadiáveis desejos...
Eu ajudo, Tu ajudas, Ele ajuda...Com quanta sinceridade conjugamos este verbo ? Eu ajudo. Verbo incondicional ? Eu ajudo pela simples necessidade de lhe ver bem e feliz; mas se um dia eu precisar de você e não obter sua ajuda...
Bem...Tem pessoas que põe um preço em tudo, infelizmente, a maioria, em uma sociedade regida pelo consumo e pelo troca de favores.
Tudo tem um preço; como eu disse antes, a vida é assim...
Amar também tem um preço. Só quem ama de verdade sabe disso. Sabe que o preço que se paga por amar é tão pequeno e irrisório diante da alegria que sentimos amando, que este tal preço, na verdade, se torna algo muito diferente do que a sociedade entende como sendo a habilidade de medir o valor das coisas.
Sabe qual é o preço de amar ?
O preço de amar é perceber que nenhum dinheiro, bens ou castelos teria a capacidade de lhe fazer feliz, caso a pessoa que você queira tornar rainha ou rei, não lhe diga, que sim, ela lhe amará também, ficará com você, enfim, dando sentido a sua vida, que sem esse genuíno amor, não teria sentido, por mais rico que você fosse...
Eu tenho um preço. Meu amor tem um preço. Tudo na vida tem um preço.
Só cabe a cada um entender que, apesar de tudo ter um preço, tem coisas que não estão a venda, nem hoje, nem nunca...
Coisas que só o amor verdadeiro entende e explica.
O amor que acaba zombando de tudo e de todos, por saber que no fundo, o que o dinheiro gostaria de ter mesmo, era ele...Só a ele e nada mais...

Angélica Medeiros, 07.03.2012