segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Providência

Quando, onde, preciso saber ? Quando voltar, para estar...Posso ver até, tudo, ou o nada ? Um tudo que gostaria de acreditar, um nada que preferiria esquecer...Mas onde ? Meus pais não sabem, meus irmãos não pensaram que eu poderia, um dia...
Eu era triste, um moço que sabia desde o amanhecer ser triste e cheio de esperança...Doia tanto, querer, saber que tudo poderia ser diferente, se eu conseguisse dizer...Mas como ? Meu filho, por que tão quieto ? Há dias que não te vejo...
Sumindo por entre ruas e becos escuros...Sem ver ninguém, falando com as paredes duras e frias de minha consciência...Olham para mim como se eu fosse um toco atrapalhando o caminho...Augusto ? Augusto ? Vamos ao enterro de seu avô. Os mortos não sentem, não choram...Augusto, não ria de coisas que não se deve rir. Um dia você vai olhar para trás e se arrepender, se arrepender muito de ter dito aquelas palavras a seu irmão. Sentado no fundo do ônibus. Voltando para casa, sem um tostão no bolso e sem vontade de vê-los.
Honrar pai e mãe. E essa dor ? O que faço com ela mãe ? Eu não te eduquei para isso, Guto. A senhora não tem as respostas que eu preciso, porque é apenas uma mãe; e mães não são muito boas  para ensinar, e sim para amar. 
Eu queria poder lembrar a voz do meu pai...Mas não consigo, ouvi ele falar apenas três vezes em toda mnha vida. Quando eu tinha três anos, três anos e meio e com quatro anos, quando num surto de sanidade- ele que era cataplético- disse : Augusto, sou-seu-pai...Aos quatro anos, sem pai, percebi que teria que começar a falar mais, porque não teria mais quem falasse por mim...A última esperança morreu quando afirmou : sou-seu-pai...
Não tente a vida dessa forma Guto. Todos conseguiram algo,  porque fizeram das suas dores, uma lição. Agora, é menos provável que você tire de mais essa garrafa vazia, alguma lição. A bebida não ensina Guto, ela distraí apenas...Destroí, desconstrói...Traição...Atração...
- Acha que eu não sou capaz de pular ? Acha que tenho medo da morte ?
- Guto, desca daí, por favor, eu juro que volto para você ?
No hospital, sonolento. Dormira por mais de vinte horas. Segunda tentativa de suicídio, agora, cortando os pulsos.  Minha mãe querendo saber o que eu tanto sonhara, porque falando muito, enquanto dormia.  
-  Sonhei que havia morrido, mãe; e que no lugar tenebroso para onde fui, havia tanta dúvida e confusão em meu coração, que não conseguia fazer nada...Achei que morrendo, mãe, pudesse encontrar uma resposta para meu sofrimento, mas lá, no plano espiritual, vi que não é assim que as coisas acontecem...
- Você promete para mamãe, Guto, que não vai mais fazer isso ?
- Eu prometo, mãe...Eu prometo que começarei a partir de hoje uma nova vida...Porque no fundo, mãe, eu quero viver...Todo o tempo, minha mãe, o que eu queria era viver...Era amar você, meus irmãos, a todos, com um coração leve e compreensivo...Tudo o que eu queria, era tolerar as imperfeições dos outros, para as minhas serem toleradas, ser paciente, humilde, e não achar sempre defeito em tudo...Eu queria tudo isso, mãe, mas algo dentro de mim dizia que eu não era capaz...Algo que me fez desistir várias vezes...E sabe por que, mãe ? Sabe porque eu fiz aquelas coisas ? Porque eu era orgulhoso demais para pedir ajuda...Porque desde pequeno, depois que papai morreu, eu coloquei na cabeça que teria que ser forte, muito forte e nunca, mas em hipótese alguma, pedir ajuda.
- Filho, a mamãe sempre esteve do seu lado, eu sempre, Guto, sempre disse que te ajudaria....Milhões de vezes eu tentei, implorei para que você me deixasse entrar...Filho, eu também, as vezes...
- Não, mãe, não diga isso, jamais ! Eu nunca me perdoaria se lhe acontecesse algo ! Nunca !
- Outra vez o orgulho, filho...Você não disse que iria mudar ?
- Me abrace mãe, só isso que preciso agora...Um abraço da senhora...
Nos braços de minha mãe, chorei feito criança...Que fui, que era, que sou...Criança ferida, desprotegida, e só...
Nos braços de minha mãe, renasci, para mais uma vez, tentar refazer minha vida.  Na luz ou nas trevas, para o meu bem ou mal, conforme a Providência,  pela milhionézima vez, permitiria.


                                                                                               Angélica Medeiros, 09.07.2012

Nenhum comentário: