quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Prazer e Tédio

Um minuto bastou. Teus olhos : duas serpentes verdejantes a burilar na minha alma, um rastro de desejo e perdição. Bastou teus olhos para a fonte de desespero e medo, voltar a jorrar de meu coração.
E como um rato, hipnotizado pelos teus olhos de serpente dura e fria, me entreguei, ao medo, ao desespero, que no âmago de minhas expectativas, tornara-se natural e necesário e pequenos momentos de prazer, retirados da dor de saber-se incapaz diante de seu poder.
Mas não pense que te amo. Nunca amei nem amarei. O que existe, é sim, uma vontade louca de ser torturado por ti. De dever ao pouco que lhe roubo, as horas imaginando seus olhos, sua boca, seus seios fartos que gostaria de tocar.
Quando não me entrego a seu domínio, choro e rio, porque criança que sou, não satisfiz meus desejos, e a risada, é porque sou orgulhoso e não sei perder.
Apesar de te odiar cada vez mais, gostaria de conhecer sua bondade e capacidade de tolerar idiotas como eu. Gostaria de reconhecer que em suas mãos, minha raiva se acalmaria e quieto, humilde e com o coração batendo forte, encontraria a liberdade que só o desejo satisfeito é capaz de proporcionar a um animal torpe feito eu.
Sábado espero ver-te, sentada, com a mesma blusa azul e rosto indiferente.
Espero não ser descoberto. É melhor assim.
Melhor para nós dois.
Estímulo e loucura.
Prazer e tédio.
Esquecimento.
Angélica Medeiros Cunha, 03.12.09

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Carol

Manifestada sua forma de carinho : olhar salpicado de lágrimas. Onde mais haveria laços tão estreitos ? Abraços tão contidos ?
Recuperar o que o estranho tentou roubar. Posso amar travessias ao vento torpe. Ir sem pensar em voltar. Posso ir, meu bem. Posso ir, mas eu volto. Porque andar cansa, as pegadas se apagam, e o lucro, é menor. Sementes que não germinam. Raízes fracas, sem costume de resistir.
Não entendo sua calma. Você sempre diz as coisas que não digo. Minhas mãos pequenas no contorno de seu pescoço, lábios firmando nosso pacto de amor. Perdão ? Não. A distância também nos aproxima. Sabendo ser sua no meu capricho de viver sozinha; e você, na sua, respirando e expirando cada momento a surpresa de um começo.
Não, Carol, eu não quero as histórias terminadas, não quero repetir aprendizados inúteis. Quero apenas eu, você. Nós. Ninguém. Todos nós e ninguém.
Eu quero eu. Quero você se querendo. Não quero nada nem tudo.
Vida que vai, que vem...
Amar: O que faz
BEM, meu bem.
ps. Te amo.

Angélica Medeiros Cunha, 29.11.09

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Filme em preto e branco

Amanhecia e os primeiros raios de sol que adentraram pela janela do quarto de hotel onde Angelo dormia, obnularam sua percepção a cerca daquele local e como um filme mudo passasse em sua cabeça, reviu cenas de um passado caro para ele, mas que agora estava morto. Sim, Angelo, você está sozinho em um quarto de hotel. Deixou Portugal e agora está aqui, nesta cidade...
Com pouca vontade, senta na cama. Olha suas mãos brancas, de unhas comidas. Lembra do seu romance, tem um caminho longo pela frente, que exigirá dele a resistência de um Hércules e a clarividência de um profeta. Sócrates já dizia : "conheça-te a ti mesmo," pensa Angelo, um pouco triste, porque começara o livro amando uma mulher e cometera o erro de apoiar-se inteiramente nesse amor, transformando-o em vontade de viver, estímulo criativo. Seria egoísmo ? "Quem dera fosse..." pensa. No fundo, havia sim despeito, orgulho, a famosa "dor de cotovelo".
Não que duvidasse da força do desejo, da simplicidade de um olhar, do despertar da curiosidade. "Mas não era ela que dizia me amar ? E ser feliz comigo ? O que é o amor ? Como vivê-lo, sem torturá-lo, sem deformá-lo ? Por que é tão difícil amar, perdoar, acreditar ?" Apesar de tudo, haviam passado bons momentos. Percebera, era preciso desligar, pois, o filme chegara ao fim. então, com lágrimas nos olhos, levantou da cama e foi se lavar no banheiro. Ao ver seu rosto no espelho, não pode evitar o pensamento de que, ele, Angelo, definitivamente, não conhcia a si mesmo.
Quando pronto para sair, pega o celular. Com certeza sua mãe gostaria que ele ligasse. Mas sabia também que dona Bia faria o maior escândalo no telefone. A verdade é que Angelo estava com medo. E vergonha. Por que mesmo havia saído de São Paulo, há um ano e meio, para morar em Portugal ? Recebera a proposta, sim, de uma grande editora. Ele e outros onze escritores, da nov a geração, selecionados para participar de um projeto chamado Pontes Intercontinentais. Lembrava perfeitamente do orgulho que dona Bia e seu Germano sentiram ao receberem a notícia de que o filho ganhara a bolsa para morar em Portugal, com tudo pago, na condição dele escrever um romance com a temática da transmigração cultural, que Angelo percebia não só como o deslocamento geográfico, mas também, como a alteração de estado de espírito que a mudança de um país para outro poderia acarretar a qualquer cidadão.
"Como a vida é engraçada", pensou ele, guardando o celular no bolso. "Há um ano e meio parti para Portugal com a esperança de crescer profissionalmente, tinha, em minha cabeça, a idéia de que o contato com uma outra cultura, homens e mulheres originados de gerações que tiveram uma história diferente da minha, sendo eu brasileiro, fariam comigo, um tipo de regeneração, em lugar dos velhos vícios, oportunidades novas de aprender." Engraçado ele disse porque de fato aprendeu muitas coisas em Portugal. Mas não com os portugueses, pois, logo na primeira semana, conheceu Ana, brasileira também.
Um tanto fatigado, Angelo volta a pegar o celular do bolso. Quer ver a foto de Ana. Seus olhos claros que por um ano e seis meses foram o que de mais oportuno ele encontrou em Portugal. É isso que chamam de paixão...
Esquecido do medo e da vergonha, esquecido da decepção que seus pais teriam ao saber que ele voltara de Portugal sem terminar o livro, quebrando assim o contrato com a editora - que poderia processá-lo por isso- Angelo deixou o quarto de hotel e deixou também o celular com a foto em cima da cama. Já não era mais a razão que guiava seus passos.
O elevador que não chega. Acaba descendo de escada. Era dez horas da manhã quando Angelo saiu, a pé, pelas ruas de São Paulo. Ia devagar, com as mãos no bolso, em uma rua do centro da cidade, e mais rápido que pudesse imaginar, o calor do sol e o movimento louco dos carros, o entra e sai das lojas, a esperança renovada nos olhos dos trabalhadores, encheram Angelo de uma alegria nova e velha ao mesmo tempo. Nova porque se ele quisesse, poderia vencer também, com a experiência que tinha, de trinta e dois anos bem vividos, poderia ter tudo que quisesse !
Porque distraído, esbarrou em um homem : "olha para frente Mané," fez Angelo parar, e olhar as pessoas. Há quanto tempo não fazia isso ? O contato astravés de um olhar, aproximando ele do mundo real. Ver a si mesmo no outro : suas qualidades, defeitos, medos, desejos...A alegria velha de sempre. Procurando enganar a solidão, nas ruas de São Paulo...
No elevador, voltando para o quarto. Se pudesse voltar o tempo, não perguntaria o nome dela (Ana) naquela livraria. Uma tarde fria de sexta-feira.
Sabia que estava errado; culpar Ana não adiantaria nada, precisava é descobrir porque não conseguia mais estar sozinho sem sentir sol~idão, ele, que, preferia a companhia de seus pensamentos, aborrecendo-se, invariavelmente, com as pessoas. Quando no quarto, olhas as horas. Dez para meio dia. "Uma hora dessas, em Portugal, eu estaria almoçando com Ana," pensou. Como somos cruéis, ás vezes, com nós mesmos. Quanto mais eu penso nela, mais solidão eu sinto. Não quero sentir solidão, mas também não quero parar de pensar em Ana...Sou cruel, na medida em que sou fraco, na medida em que não quero aceitar a realidade.
Nisso, o celular de Angelo apita. Pega e vê : uma ligação perdida dela. " Ana falou que ligaria para saber se cheguei bem..." diz, pegando o celular para ligar, coração batendo forte.
- Alô ?
A voz era de homem. Angelo senta na cama, meio confuso.
- Quem é ? pergunta
- Sou o namorado de Ana. E você, quem é ? Ah, sei...é aquele bichinha do escritor...Olha, rapa, não liga mais pra Ana, ouviu, ela terminou tudo, OK ?
Namorado de Ana ? Bichinha de escritor ? Angelo solta o celular, que cai. "Vai sair ? Ela sempre se esquivando. Portugal. Você é muito inseguro, Angelo. Romance. Eu tinha uma vida antes de te conhecer. Sócrates. Mas você me ama ? Amor. Liberdade, sinto falta disso. Orgulho. Eu vi ! Eu vi ! Quem era aquele cara ? Desejo. Estar errado. Já disse que é um amigo. Tortura. O filme repassado na cabeça. Angelo querendo fugir. Fugir ! Não ! Não ! Estado de espírito ! Será melhor para nós, Angelo. Nos separarmos. Por que ? Por que ? Ana. Olhos claros. Eu não vou desisitir de você. Paixão. Nunca desistirei de você. Imaginar. A sacada do quarto de hotel. Angelo olha para baixo. Ana. Ela não podia ter feito isso comigo. Outro. A verdade é que ela nunca me amou. Mundo real. Sozinho. Angelo coloca uma perna para fora da sacada. Você não merece viver. Solidão. Pula ! Pula ! As vozes incitavam ele a pular. Um corpo que cai. Olhos fechados. Ana sorrindo.
Fim do filme.

Angélica Medeiros, 04.08.2009

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Raça de Condenados- parte II

Tudo bem. Um garoto de dezoito anos hoje tem acesso e utiliza meios de comunicação muito mais perniciosos que os livros de Dostoiévski. Nem podemos pensar que afastando nossos filhos do lado negro da vida, estaremos "salvando" eles de todo o mal.
Mas não é bem esse o alvo que eu tentei acertar. Talvez tenha passado perto, ou talvez ninguém viu eu atirar, enfim, bem no meio do tabuleiro, em vermelho( meu alvo) existe uma coisa chamada essência.
Pois bem, eu disse antes que a arte é inútil, afirmação um tanto radical, eu concordo, mas comparando, por exemplo, a filosofia com a literatura, creio que a segunda, como eu poderia dizer, seria mais suja, impura, nem sempre propagadora da verdade. Aí está, cheguei onde queria : essência e verdade. Qual é a essência da filosofia ? A verdade. Qual é a essência da arte ? Os filosofos já diziam : a representação da realidade. O que entendemos por representação ? No caso da literatura, a imagem ou a idéia que um escritor ou poeta tem da realidade que o circunda. Por isso, sujeita ao erro. Sim. Principalmente se o artista não estiver preparado para desmontar o quebra-cabeça da realidade e montá-lo de novo, de olhos fechados. É, não é fácil escrever.
Suponhamos um gênio como Dostoiévski. É, eu gosto dele. Freud disse que "Irmãos Karamazov" é a obra mais perfeita já realizada na história da literatura ocidental. E disse mais : que Dostoiévski não melhorou em nada a humanidade com suas obras. Veja, foi Freud que falou, não eu, uma escritora canhota e ignorante.
Mas onde eu quero chegar com tudo isso ? Bem, quero chegar na seguinte frase : a essência da arte é imperfeita, porque lida com o universo dos homens que são imperfeitos.
Então, eu, Angélica, ainda ficaria com a besteira de não deixar meu filho ler " Crime e Castigo" ?
Confiaria a ele a decisão. Como tenho feito a vida inteira quando escolho, eu, um livro, para assim, quem sabe, um dia, eu aprenda alguma coisa de útil para minha vida e a dos meus.

Angélica Medeiros, 09.07.2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Raça de Condenados

Antes de ensinar qualquer coisa, devemos ter ciência, paciência e humildade, muita mesmo. Ciência para transmitir ao outro, a base para um começo; paciência para permitir o erro do aprendiz, sem intimidá-lo. Já a humildade, bem, se o mestre não for humilde o bastante para colocar-se no lugar de seus discípulos, se não tiver a bondade de lembrá-lo, que um dia esteve no lugar de aprendiz, e sentiu medo, vergonha, ansiedade; bem, seria preciso parar por aí, porque antes de ensinar a qualquer um, é preciso amar.
Mas e se você quiser ensinar a si mesmo ? Ser auto-didata ? Bom, não aconselharia, mas já que a pergunta foi esta...Vejamos o leitor auto-didata. Um jovem, de dezoito anos. Vai á biblioteca e pega "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Agora, outra pergunta : "Você, Angélica, gostaria que seu filho de dezoito anos lesse esse livro ?
Suponhamos que eu tivesse um filho mesmo, e que sua vida fosse calma, tranquila, e que sua pior experiência tenha sido a morte de uma cachorrinha que ele muito amava. Suponhamos que ele tente entender "Crime e Castigo", será que o conteúdo absorvido pela leitura o beneficiará de certa forma ? Nenhuma experiência em nossa vida pode ser vista como vã; tudo que vivemos, seja bom ou ruim, influencia nossos pensamentos, atitudes, sentimentos com relação a tudo. Aí é que entra a ética, a moral, a religião, o livre-arbítrio. Visto pelo âmbito do bem e todas as suas ramificações, não acho que "Crime e Castigo" possa preparar um garoto para ser melhor na vida, nem pior também. Por isso, muitos artistas cansam de dizer : que a arte é inútil. Sim, ela é inútil. Mas também parece inútil comer demais, fumar, beber, transar sem amor, comprar carros de luxo, bronzeamento artificial, etc...
Não sou moralista, santa, nem estou julgando ninguém, mesmo porque já fiz ou faço algumas dessas besteiras. Mas acontece que a partir do momento que você aprende a discernir o certo do errado, é insanidade continuar cometendo os mesmos erros.
Voltando aos livros. Teria uma lista para certos escritores que proibiria meu filho de ler, ( se eu tivesse filhos !) mas deixarei essa lista de fora ( ainda), pois, como eu disse, para ensinar é preciso ter ciência, paciência e humildade, coisas que me faltam em menor ou maior grau, em se tratando de assunto tão delicado quanto a literatura.
Para terminar, lembrarei da resposta que Gustav Flaubert deu a um curioso, sobre quem era a personagem Madame Bovary. Flaubert respondeu : Madame Bovary sou eu.
Raça de condenados essa, de escritores.

Angélica Medeiros 08.07.2009

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Budapeste

Assisti Budapeste. Filme baseado na obra homônima de Chico Buarque. Não li o livro, mas assistir o filme deu vontade disso. Não que já não esteja cansada de ver obras protagonizadas por homens solitários, egoístas e imaturos.
Castor Neves, o personagem principal, é digno de pena no começo. Alter ego do Chico ? Sim, mas Chico Buarque usa e abusa também, estando no comando da criação, e por isso joga com a moral, com os dois lados : bem e mal. O lado bom de Castor, é o verdadeiro Chico, o que em seu íntimo e separado do mundo dos holofotes, o salva da morte. Podemos notar isso, quando, por exemplo, na boate, Castor se nega a fazer a roleta russa. Chico, o da vida real, impõe limites também ás suas crias.
Porém, o lado negro de Castor ( porque não de Chico ?), prevalece no filme. Começando com uma Budapeste amarela, aos olhos doentes de Castor; ele que na sua ignorãncia, acaba cercado de víboras : sua mulher Wanda, o Luiz Cunha, para quem oferece seus serviços de Ghost Writer.
Para quem não sabe o que é isso, Ghost Writer é o escritor que empresta sua inspiração a um sujeito que não escreve, e que pagará para obter os louros da fama, assinando seu nome, na obra escrita pelo outro. É uma prática amoral, viciante e Castor Neves, talvez cansado da mentira em que vivia no Brasil, viaja para Budapeste. ´
Lá, ele encontra o amor. Kriska. Uma professora de húngaro. Castor se apaixona por ela e pela primeira vez, publica uma obra de sua autoria. Finalmente, ele se encontra, entregue à força avassaladora do amor, e sua vida pessoa e profissional, enfim, tem algum sentido.
Voltando ao Chico, não seria uma ironia dele, o fato de mostrar que seu livro Budapeste foi reconhecido apenas no estrangeiro ? Não caberia aí um ressentimento do autor pelo Brasil, país que lhe deu tanto, mas que também, foi o palco de muitas frustrações para ele ( vide ditaduta)
Isso só perguntando ao Chiquinho...

Angélica Medeiros, 06.07.2009