quinta-feira, 9 de julho de 2009

Raça de Condenados- parte II

Tudo bem. Um garoto de dezoito anos hoje tem acesso e utiliza meios de comunicação muito mais perniciosos que os livros de Dostoiévski. Nem podemos pensar que afastando nossos filhos do lado negro da vida, estaremos "salvando" eles de todo o mal.
Mas não é bem esse o alvo que eu tentei acertar. Talvez tenha passado perto, ou talvez ninguém viu eu atirar, enfim, bem no meio do tabuleiro, em vermelho( meu alvo) existe uma coisa chamada essência.
Pois bem, eu disse antes que a arte é inútil, afirmação um tanto radical, eu concordo, mas comparando, por exemplo, a filosofia com a literatura, creio que a segunda, como eu poderia dizer, seria mais suja, impura, nem sempre propagadora da verdade. Aí está, cheguei onde queria : essência e verdade. Qual é a essência da filosofia ? A verdade. Qual é a essência da arte ? Os filosofos já diziam : a representação da realidade. O que entendemos por representação ? No caso da literatura, a imagem ou a idéia que um escritor ou poeta tem da realidade que o circunda. Por isso, sujeita ao erro. Sim. Principalmente se o artista não estiver preparado para desmontar o quebra-cabeça da realidade e montá-lo de novo, de olhos fechados. É, não é fácil escrever.
Suponhamos um gênio como Dostoiévski. É, eu gosto dele. Freud disse que "Irmãos Karamazov" é a obra mais perfeita já realizada na história da literatura ocidental. E disse mais : que Dostoiévski não melhorou em nada a humanidade com suas obras. Veja, foi Freud que falou, não eu, uma escritora canhota e ignorante.
Mas onde eu quero chegar com tudo isso ? Bem, quero chegar na seguinte frase : a essência da arte é imperfeita, porque lida com o universo dos homens que são imperfeitos.
Então, eu, Angélica, ainda ficaria com a besteira de não deixar meu filho ler " Crime e Castigo" ?
Confiaria a ele a decisão. Como tenho feito a vida inteira quando escolho, eu, um livro, para assim, quem sabe, um dia, eu aprenda alguma coisa de útil para minha vida e a dos meus.

Angélica Medeiros, 09.07.2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Raça de Condenados

Antes de ensinar qualquer coisa, devemos ter ciência, paciência e humildade, muita mesmo. Ciência para transmitir ao outro, a base para um começo; paciência para permitir o erro do aprendiz, sem intimidá-lo. Já a humildade, bem, se o mestre não for humilde o bastante para colocar-se no lugar de seus discípulos, se não tiver a bondade de lembrá-lo, que um dia esteve no lugar de aprendiz, e sentiu medo, vergonha, ansiedade; bem, seria preciso parar por aí, porque antes de ensinar a qualquer um, é preciso amar.
Mas e se você quiser ensinar a si mesmo ? Ser auto-didata ? Bom, não aconselharia, mas já que a pergunta foi esta...Vejamos o leitor auto-didata. Um jovem, de dezoito anos. Vai á biblioteca e pega "Crime e Castigo" de Dostoiévski. Agora, outra pergunta : "Você, Angélica, gostaria que seu filho de dezoito anos lesse esse livro ?
Suponhamos que eu tivesse um filho mesmo, e que sua vida fosse calma, tranquila, e que sua pior experiência tenha sido a morte de uma cachorrinha que ele muito amava. Suponhamos que ele tente entender "Crime e Castigo", será que o conteúdo absorvido pela leitura o beneficiará de certa forma ? Nenhuma experiência em nossa vida pode ser vista como vã; tudo que vivemos, seja bom ou ruim, influencia nossos pensamentos, atitudes, sentimentos com relação a tudo. Aí é que entra a ética, a moral, a religião, o livre-arbítrio. Visto pelo âmbito do bem e todas as suas ramificações, não acho que "Crime e Castigo" possa preparar um garoto para ser melhor na vida, nem pior também. Por isso, muitos artistas cansam de dizer : que a arte é inútil. Sim, ela é inútil. Mas também parece inútil comer demais, fumar, beber, transar sem amor, comprar carros de luxo, bronzeamento artificial, etc...
Não sou moralista, santa, nem estou julgando ninguém, mesmo porque já fiz ou faço algumas dessas besteiras. Mas acontece que a partir do momento que você aprende a discernir o certo do errado, é insanidade continuar cometendo os mesmos erros.
Voltando aos livros. Teria uma lista para certos escritores que proibiria meu filho de ler, ( se eu tivesse filhos !) mas deixarei essa lista de fora ( ainda), pois, como eu disse, para ensinar é preciso ter ciência, paciência e humildade, coisas que me faltam em menor ou maior grau, em se tratando de assunto tão delicado quanto a literatura.
Para terminar, lembrarei da resposta que Gustav Flaubert deu a um curioso, sobre quem era a personagem Madame Bovary. Flaubert respondeu : Madame Bovary sou eu.
Raça de condenados essa, de escritores.

Angélica Medeiros 08.07.2009