domingo, 22 de abril de 2012

Sobre a Arte de Viver

- Olhei nos olhos de minha avó e vi, de repente, as horas, os minutos e segundos, que ela deveria ter passado sozinha, naquele quarto. Horas de solidão, que fizeram meu coração doer de culpa e tristeza.
- E o que você irá fazer para mudar isso, Clara ?
- Sabe o que eu acho ? A velhice é para poucos...A juventude para menos ainda...E a infância, para nenhum de nós...
-Por que a infância para nenhum de nós ?
- Porque se poucas pessoas sabem envelhecer, menos ainda aproveitar de modo  consciente a juventude, não seria a infãncia, a época de querer realmente saber quem somos ? E no entanto, as crianças de hoje só querem crescer e tornar-se adulto...
- Você era assim também, Clara ?
- Sabe, estou pensando na minha avó agora...Pensando que além de culpa e tristeza, senti medo também..Medo de na velhice, não saber ver...
- Ver o que ?
- O que agora eu apenas olho...
-  E sentir ? O que você sente ?
- Eu não sei...Quanto mais eu tento entender meus sentimentos, menos eu vejo...Por isso, não tento entendê-los, e sim, guiá-los...
- Está bem, preciso ir Clara...Tchau.
- Tchau, Glauco...Boa noite...

                                                                                              Angélica Medeiros Cunha, 22.04.2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Clara e a Claro

Pense um pouco, disse Clara, tentando acalmar sua mãe. Bem sei que há três dias, a senhora tenta falar na Claro, sem conseguir afinal, resolver seu problema...Está muito nervosa agora...Com vontade de jogar o celular na parede...Mas seu acesso de raiva não resolverá nada...
- E o que eu devo fazer ? Rir ? Agradecer por ter sido lesada ?
- Também não mãe, a ironia, insulta as vezes, até mais que a raiva...E insultando a telefonista, ela, em vez de colaborar, irá atendê-la de má vontade ... Olha, sei que pode parecer estranho...Mas pense que, muitas vezes, a senhora foi incrivelmente feliz falando com uma amiga de seu celular...Que esteve, em situações difícies, precisando realmente falar com o papai e que por ter o celular da Claro, pode encontrá-lo...Que não fosse a Claro, morreria de saudades de suas netas e filha que moram tão longe...
- Tá bem, filha...Eu entendi...Nossa, Clara, você viaja às vezes...
- É bom viajar mãe...
- É, mas nem tanto...Ligue para sua avó...Ela quer falar com você.
- Não vai mais ficar nervosa ?
- Não.
- Vou fazer melhor...Vou visitá-la agora. Estou indo...Tchau mãe...
- Tchau filha...
Angélica Medeiros, 19.04.2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

Pensamento de Clara

Logo pela manhã, Clara teve o seguinte pensamento, depois de ler uma frase na embalagem de uma garrafa de água. A frase era essa : " de todas as bebidas, apenas a água é essencial para a vida..."
É, refletiu ela, Pessoas também deveriam levar na embalagem de suas almas, "de todos os sentimentos, apenas o amor é essencial para a vida...A falta deles, a morte..."Clara sorriu, um pouco triste, porque por vezes teve sede, e não tomou água; e sim, outro líquido qualquer....Nem água, nem o amor, esses sim essenciais para matar a sede verdadeira da alma...
Bebendo agora água sem estar com sede, Clara saiu sem rumo, sabendo que logo logo, a sede viria...
Angélica Medeiros, 17.04.2012

domingo, 15 de abril de 2012

Clara e o Domingo

Clara sabia que naquele domingo algo seria diferente.Não que em todo novo dia não acontecessem coisas diferentes, mas naquele domingo, algo especial, ela sentia, iria de fato acontecer...
Clara sabia e por isso trancou-se em seu quarto. Trancou-se e esperou, como quem espera a chuva passar, esse algo que inevitavelmente, aconteceria...
Ouviu então um suspiro, um que materializou-se em palavra..."Clara, Clara..." A voz falava...É preciso perdoar...É preciso perdoar a todos...
Clara então sentiu um calor inundar todo seu corpo e seus olhos se encheram rapidamente de lágrimas. Perdão, perdão, a palavra ressoava em seu ouvido, obrigando-a a dizer as coisas que ela precisava dizer, mais que por orgulho, havia por tanto tempo, calado.
"Clara, Clara, você está cercada de dor e solidão..." Quando ouviu isso, ela começou a pedir, mentalmente, perdão, primeiro aos seus pais, aos seus irmãos; perdão por todas as vezes em que ela pagou com ingratidão, todo cuidado e amor que eles lhe deram. Perdão por todas as vezes em que ela agiu por interesse próprio, e não por pura e simples caridade.
Chorando muito, ainda pediu perdão para seus amigos e todos os que trabalharam com ela. Perdão por ela ter dito e feito coisas que eles não aprovaram, mais que por indulgência, relevaram...
Perdão, Clara, a você mesma...ela disse, por fim...Porque talvez todas essas pessoas, tenham realmente esquecido de suas ofensas e de você; porque encontraram, durante suas vidas, outras pessoas, que lhes deram e receberam o amor que você foi incapaz de dar e receber, por medo e por falta de caridade...
Cansada de chorar e ciente de que pedir perdão em pensamento não adiantaria nada, Clara acabou dormindo..
Um sono sem sonhos, onde poderia esquecer daquele domingo, e recomeçar no dia seguinte, nem mais feliz, nem menos, por ter vivido algo diferente, e que de fato, a fez pensar em suas atitudes...
Atitudes que a tornaram a mulher que ela era hoje. Nem melhor nem pior que ninguém, no entanto, profundamente culpada por ser quem era. Culpa que nem um domingo, nem milhões de domingos iriam extirpar; culpa que como seu sono, era sem sonhos, e por isso mesmo, tão inútil quanto pedir perdão para si própria, em um quarto fechado, sendo, que lá fora, o dia estava lindo e perfeito para um passeio com a família...

Angélica Medeiros Cunha, 15.04.2012

domingo, 8 de abril de 2012

Fazendo Café (frases abobadas)

"Mais difícil que lembrar de desligar o fogo na hora em que a água está fervendo, só mesmo a ideia catastrófica de abdicar do hábito de beber café, o que me mataria do mesmo jeito; porém, com uma vantagem : não morreriam meus familiares, que na verdade, não tem nem o hábito, nem culpa alguma do fato de eu gostar de tomar café, mas não gostar de fazê-lo..."
Angélica Medeiros, 07.04.2012

terça-feira, 3 de abril de 2012

A Porta

A porta estava fechada. Mas por que ? Maria se perguntava. Indiferença. Falta de amor.
Maria não se conformava, e chorava sentada, com o rosto colado ao chão, próxima a porta fechada.
Enquanto isso, sentia-se envelhecer, dia após dia, de tristeza, de solidão, e a mulher que restara dela, Maria deconhecia.
Passaram os anos. Um tempo que não era de Maria e que ela não sabia para que servia. Passou muito tempo até que a porta se abriu, e com a porta se abrindo, a casa inteira se encheu de luz e de um canto bonito, canto que trouxe á casa de Maria, uma alegria nova, que há muito não existia lá.
Pés descalços, Maria toda de branco, se aproximando de uma outra Maria, suja e morta, que inerte no chão, não respondeu.
Em cima da mesa, um bilhete da Maria morta, que a outra pegou e leu, com os olhos cheios de lágrimas. No bilhete, Maria leu as seguintes palavras :
"Logo você também morrerá. Porque a luz precisa das sombras...Tanto quanto eu precisava de você...Seu erro, talvez uma pura ingenuidade, lhe custará caro...Muito caro...'
Arrependida, Maria enxugou suas lágrimas e fez força para levantar. Estando de pé, andou até a porta, e sem olhar para trás, trancou-se novamente dentro do quarto.
Era noite já quando isso se deu. E não se via mais nada dentro daquela casa. Móveis, pessoas, nada.
Era noite e de tempos em tempos, alguém batia a porta. Alguém que também tentava abri-la. Sem saber que, nas portas fechadas, não encontrarão nunca as respostas que, inutilmente, procuram. Nem nas portas fechadas, nem nas abertas, e sim, onde não existem portas...Onde olhássemos e vissemos o céu. Quando encontrares este lugar, serás então feliz. De dia, de noite, sem medo, serás então, liberto de tudo.

Angélica Medeiros 03.04.2012