terça-feira, 4 de agosto de 2009

Filme em preto e branco

Amanhecia e os primeiros raios de sol que adentraram pela janela do quarto de hotel onde Angelo dormia, obnularam sua percepção a cerca daquele local e como um filme mudo passasse em sua cabeça, reviu cenas de um passado caro para ele, mas que agora estava morto. Sim, Angelo, você está sozinho em um quarto de hotel. Deixou Portugal e agora está aqui, nesta cidade...
Com pouca vontade, senta na cama. Olha suas mãos brancas, de unhas comidas. Lembra do seu romance, tem um caminho longo pela frente, que exigirá dele a resistência de um Hércules e a clarividência de um profeta. Sócrates já dizia : "conheça-te a ti mesmo," pensa Angelo, um pouco triste, porque começara o livro amando uma mulher e cometera o erro de apoiar-se inteiramente nesse amor, transformando-o em vontade de viver, estímulo criativo. Seria egoísmo ? "Quem dera fosse..." pensa. No fundo, havia sim despeito, orgulho, a famosa "dor de cotovelo".
Não que duvidasse da força do desejo, da simplicidade de um olhar, do despertar da curiosidade. "Mas não era ela que dizia me amar ? E ser feliz comigo ? O que é o amor ? Como vivê-lo, sem torturá-lo, sem deformá-lo ? Por que é tão difícil amar, perdoar, acreditar ?" Apesar de tudo, haviam passado bons momentos. Percebera, era preciso desligar, pois, o filme chegara ao fim. então, com lágrimas nos olhos, levantou da cama e foi se lavar no banheiro. Ao ver seu rosto no espelho, não pode evitar o pensamento de que, ele, Angelo, definitivamente, não conhcia a si mesmo.
Quando pronto para sair, pega o celular. Com certeza sua mãe gostaria que ele ligasse. Mas sabia também que dona Bia faria o maior escândalo no telefone. A verdade é que Angelo estava com medo. E vergonha. Por que mesmo havia saído de São Paulo, há um ano e meio, para morar em Portugal ? Recebera a proposta, sim, de uma grande editora. Ele e outros onze escritores, da nov a geração, selecionados para participar de um projeto chamado Pontes Intercontinentais. Lembrava perfeitamente do orgulho que dona Bia e seu Germano sentiram ao receberem a notícia de que o filho ganhara a bolsa para morar em Portugal, com tudo pago, na condição dele escrever um romance com a temática da transmigração cultural, que Angelo percebia não só como o deslocamento geográfico, mas também, como a alteração de estado de espírito que a mudança de um país para outro poderia acarretar a qualquer cidadão.
"Como a vida é engraçada", pensou ele, guardando o celular no bolso. "Há um ano e meio parti para Portugal com a esperança de crescer profissionalmente, tinha, em minha cabeça, a idéia de que o contato com uma outra cultura, homens e mulheres originados de gerações que tiveram uma história diferente da minha, sendo eu brasileiro, fariam comigo, um tipo de regeneração, em lugar dos velhos vícios, oportunidades novas de aprender." Engraçado ele disse porque de fato aprendeu muitas coisas em Portugal. Mas não com os portugueses, pois, logo na primeira semana, conheceu Ana, brasileira também.
Um tanto fatigado, Angelo volta a pegar o celular do bolso. Quer ver a foto de Ana. Seus olhos claros que por um ano e seis meses foram o que de mais oportuno ele encontrou em Portugal. É isso que chamam de paixão...
Esquecido do medo e da vergonha, esquecido da decepção que seus pais teriam ao saber que ele voltara de Portugal sem terminar o livro, quebrando assim o contrato com a editora - que poderia processá-lo por isso- Angelo deixou o quarto de hotel e deixou também o celular com a foto em cima da cama. Já não era mais a razão que guiava seus passos.
O elevador que não chega. Acaba descendo de escada. Era dez horas da manhã quando Angelo saiu, a pé, pelas ruas de São Paulo. Ia devagar, com as mãos no bolso, em uma rua do centro da cidade, e mais rápido que pudesse imaginar, o calor do sol e o movimento louco dos carros, o entra e sai das lojas, a esperança renovada nos olhos dos trabalhadores, encheram Angelo de uma alegria nova e velha ao mesmo tempo. Nova porque se ele quisesse, poderia vencer também, com a experiência que tinha, de trinta e dois anos bem vividos, poderia ter tudo que quisesse !
Porque distraído, esbarrou em um homem : "olha para frente Mané," fez Angelo parar, e olhar as pessoas. Há quanto tempo não fazia isso ? O contato astravés de um olhar, aproximando ele do mundo real. Ver a si mesmo no outro : suas qualidades, defeitos, medos, desejos...A alegria velha de sempre. Procurando enganar a solidão, nas ruas de São Paulo...
No elevador, voltando para o quarto. Se pudesse voltar o tempo, não perguntaria o nome dela (Ana) naquela livraria. Uma tarde fria de sexta-feira.
Sabia que estava errado; culpar Ana não adiantaria nada, precisava é descobrir porque não conseguia mais estar sozinho sem sentir sol~idão, ele, que, preferia a companhia de seus pensamentos, aborrecendo-se, invariavelmente, com as pessoas. Quando no quarto, olhas as horas. Dez para meio dia. "Uma hora dessas, em Portugal, eu estaria almoçando com Ana," pensou. Como somos cruéis, ás vezes, com nós mesmos. Quanto mais eu penso nela, mais solidão eu sinto. Não quero sentir solidão, mas também não quero parar de pensar em Ana...Sou cruel, na medida em que sou fraco, na medida em que não quero aceitar a realidade.
Nisso, o celular de Angelo apita. Pega e vê : uma ligação perdida dela. " Ana falou que ligaria para saber se cheguei bem..." diz, pegando o celular para ligar, coração batendo forte.
- Alô ?
A voz era de homem. Angelo senta na cama, meio confuso.
- Quem é ? pergunta
- Sou o namorado de Ana. E você, quem é ? Ah, sei...é aquele bichinha do escritor...Olha, rapa, não liga mais pra Ana, ouviu, ela terminou tudo, OK ?
Namorado de Ana ? Bichinha de escritor ? Angelo solta o celular, que cai. "Vai sair ? Ela sempre se esquivando. Portugal. Você é muito inseguro, Angelo. Romance. Eu tinha uma vida antes de te conhecer. Sócrates. Mas você me ama ? Amor. Liberdade, sinto falta disso. Orgulho. Eu vi ! Eu vi ! Quem era aquele cara ? Desejo. Estar errado. Já disse que é um amigo. Tortura. O filme repassado na cabeça. Angelo querendo fugir. Fugir ! Não ! Não ! Estado de espírito ! Será melhor para nós, Angelo. Nos separarmos. Por que ? Por que ? Ana. Olhos claros. Eu não vou desisitir de você. Paixão. Nunca desistirei de você. Imaginar. A sacada do quarto de hotel. Angelo olha para baixo. Ana. Ela não podia ter feito isso comigo. Outro. A verdade é que ela nunca me amou. Mundo real. Sozinho. Angelo coloca uma perna para fora da sacada. Você não merece viver. Solidão. Pula ! Pula ! As vozes incitavam ele a pular. Um corpo que cai. Olhos fechados. Ana sorrindo.
Fim do filme.

Angélica Medeiros, 04.08.2009

2 comentários:

C. disse...

Estou com saudades!

alberto disse...

polts ... esses finais ... heheheh adorei