sábado, 4 de agosto de 2012

Os livros e a Miopia

A vida traz exemplos  diários de pessoas que acometidas por efermidades na profissão, são obrigadas a parar de fazer o que mais amam, prejudicando a si própio, e aos que terão que aguentar seu mau humor, quando a bomba explodir.
São as donas de casas que, cheias de dores, obrigam seus maridos à  cozinhar, trazendo o desespero aos seus filhos, que obrigados a comer a comida horrivel do pai, emagrecem, ou engordam, procurando refúgio no Mac Donalds.  Também  os funcionários de bancos, que, sofrendo de insônia, por não conseguirem  mais contar carneirinhos, vão pintar quadros ou  tocar violão, desesperando seus familiares, que privados do bom salário que fulano ganhava, acabam tendo que se virar, com ou sem os números.  Sem contar os jogadores de futebol, que de cirurgia em cirurgia, acabam  tendo mais sucesso, com uma perna de pau, no circo ou teatro da cidade em que nasceram.
Confesso que até a bomba explodir na minha vida, não tinha pensado nisso. Não com tanta frequência como estou pensando agora. Uma bomba que um exame de fundo de olho mostrou. "Angélica, disse a minuciosa observadora que por sorte, era   minha oftalmo, você tem um rasgo na retina do olho direito. Isso é sério, se não concertá-lo, poderá perder a vista."
Sai da clínica chorando por meus olhos, eles  chorando por mim...Muitas perguntas, angústia, por que ? Por que meu Deus !!!!!!!!!!!!!!
Hoje, vinte dias depois de constatada uma degeneração mioptica em meu olho direito, doença que eu nem sabia existir até então; (e só vim a saber no Google também, lendo umas vinte vezes sobre ela) descobri que ter seis graus de miopia, usar óculos e ter pinta de intelectual, não dá apenas um ar charmoso e misterioso ao escritor...Não, descobri que meus seis graus em cada olho poderiam sim, me dar muitos problemas, na verdade, eu estava mesmo é fodida.
Isso porque precisaria fritar meu olho para poder tampar os  malditos  buracos. Na primeira fotocoagulação a lazer, não doeu; porém, na segunda, eu praticamente me vi na mesma situação que o personagem do Laranja Mecânica. Porque uma  enfermeira sadomasoquista, não  pingou  o colírio anestésico no meu olho e eu praticamente, passei pelo lazer, sem anestesia. Se doeu ? Muito, paguei todos os meus pecados, da vida inteira e de uma próxima encarnação em dois minutos...Por isso, cuidado com um Hospital chamado Santa Casa, de santo, ele não tem nada...
Mas acabou, ou melhor, não sei se acabou; espero que sim. Espero que tudo não passe de um sonho ruim e que logo eu possa passar horas em uma biblioteca, estragando meus olhos, sem dó nem culpa, para deleite de minha mente que egoísta, só pensa em saber, não se preocupando em como fazer isso.
Coitado dos meus olhos...Eu que usei-os feito um burro de carga durante mais de dez anos, agora, sofro, arrependida, por ter sido tão cruel com eles.
Já pedi mil desculpas. Eu, uma viciada em leitura, pedindo desculpas por saber que cometerei o mesmo erro...
No começo, eram apenas duas horas, o jornal, depois, um conto de Machado de Assis. Depois, fui passando para os romances de oitocentas páginas, de Dostoiévski, ganhando a cada ano, meio grau, para o desanimo de minha vaidade, que via o aro dos óculos aumentarem, tomando assim, toda a graça de minhas expressões faciais. Deixei de sair, deixei de namorar e tornei-me uma "outsider" que fugia das massas, como diabo foge da cruz. E para que tudo isso ? Meus olhos agora me perguntam. Para você, com apenas 35 anos, ganhar uma degeneração mioptica e correr o risco de ficar cega ?
Digo para eles, com sorriso triste nos lábios, quer saber se valeu a pena ? Fernando Pessoa, ele responde : só com eles foram uns dois graus...Tudo bem, você venceu...Agora me diga, o que faremos agora ?
Em última instância, eles me dizem, ordenarei seus pais colocarem uma venda nos seus olhos...Isso caso a senhora mantenha a carteirinha da biblioteca dentro da carteira. Mais irei te ajudar. Em vez da assinatura de jornal, uma assinatura da Net. Comprará também uma TV LCD de 42 polegadas, e trabalhará oito horas por dia, em um lugar distante pelo menos 20 KM de uma livraria.
Fará isso ou...Não, eu grito ! Tudo menos isso !
É, a vida é estranha mesmo...Vamos perdendo, com o passar dos anos, as coisas que de fato amamos.
Vou dar um tempo com os livros. Como se por causa deles, eu tivesse que cumprir alguns anos na prisão.
Uma prisão onde a partir de agora, eu terei de viver dia após dia, hora após hora, em companhia do tédio e do cotidiano simples e limitado  que tenho na minha imaginação, ser uma vida sem os livros.    Se eu pudesse ao menos ler com os ouvidos...Se minhas mãos pudessem ler....

" No meio caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho..."
" No meio do caminho tinha um livro, tinha um livro no meio do caminho..."
Estou no fim do caminho agora, sem eles...
Sem os livros, sem o caminho, Eu apenas, com a memória de tudo que eu li, com a angústia do que não poderei ler...
Eu apenas, silêncio e páginas queimadas.

                                                                                  Angélica Medeiros, 04.08.2012

Um comentário:

Anônimo disse...

Força ae, Angel! Espero que você fique bem. :)