quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dia de FInados

É feriado de finados. Devia lembrar dos mortos. Daqueles que nem por um milagre, veria. Mas não. Não são esses os mortos que me atormentam nesse dia de finados. Lembro é dos amores que matei e que foram enterrados há tempos. Amores que hoje batem na porta de meu coração para cobrar suas dividas para comigo.
Com cabeça baixa e lágrimas indecisas, lhes digo : " Esperem, tenho algo a lhes dizer."
Esses mortos da minha carne, sangue, e saliva, esses mortos não sabem nada !
"Como eu posso lhes pagar essa dívida se de fato nunca amei ?" Jogo astuto.
Eles esbravejam : " Não só amou como nos transformou nas lembranças mais importantes de sua vida. O maior problema é seu orgulho. É ele que precisamos vencer !"
O pior é perceber que meus amores findos me conheciam até mais que eu mesmo.
"Queria pagar minha dívida com louvor. Noites ensolaradas e nossos corpos nus entrelaçados em uma dança infernal."
"Não, sexo é muito pouco. Queremos mais!"
"O que querem então ?"
"Queremos tua alma também, da mesma forma que você roubou as nossas. Queremos que você morra para nós, e daí, teremos mais um morto para recordar, como você faz hoje, nesse dia de finados. "
" Minha alma ? Eu, morto ?"
Me rodeavam todos, feito almas penadas, esperando minha decisão.
Minutos depois, com o coração apertado, entreguei minha alma à eles. Entreguei e imediatamente, senti muita solidão. Aos poucos, fui tomando consciencia de que dali para frente, não haveria mais sentido ficar lembrando dos amantes mortos, nem em dia de finados, nem em qualquer outro dia, isso porque eles haviam finalmente me esquecido. Triste e vazio, peguei um livro e comecei a ler.
Lia e pensava em tamanha solidão que haveria de suportar nos dias que viriam.
Nascia um morto. Desalmado.
Nas penas, eu assim viveria...


Angélica Medeiros Cunha, 03.11.2010

Um comentário:

Vanessa Victoretti disse...

Mto interessante a forma com vc usa a intertextualidade entre os "Mundos".